27 ago

A Igreja Católica impediu Galileu e Copérnico de avançarem?

Texto escrito por Bianca Scherer da Silva, estudante do 3º ano do curso Técnico em Saneamento integrado ao Médio, como parte de seu projeto PIBIC-EM, em Janeiro de 2022

Possivelmente você já escutou algo sobre a Igreja Católica ter reprimido cientistas durante toda a Idade Média, desde Giordano Bruno, a Copérnico e Galileu. Mas será que foi isso mesmo que aconteceu? Será que a Igreja era mesmo o pior inimigo dos cientistas antigos? Essa visão estereotipada pode ultrapassar centenas de anos e não ser desconstruída, então estou aqui hoje para fazer esse favor a você 🙂 

Antes de tudo, usarei as palavras “ciência” e “cientistas”, mas no período de que estamos falando ainda não haviam surgido essas denominações. Agora, precisamos entender quem eram esses cientistas. Vamos começar por quem veio antes… Nicolau Copérnico, caso você não saiba, era cônego da Igreja Católica (sim, isso mesmo, um cientista de dentro da Igreja!!!). O cônego é um padre, mas ele também participa de serviços administrativos da igreja, sacou? Se não ficou claro o que é, clique aqui.

Antigamente, a maioria dos cientistas possuíam fortes ligações com a Igreja (como é o caso de Galileu, mas explico isso daqui a pouco) ou eram de dentro da Igreja mesmo. Não devemos anular nada das atrocidades cometidas pela Inquisição, mas nesse momento é bom lembrar que a Igreja Católica era quem custeava praticamente todos os estudos dos cientistas da época. Ou seja, a entidade que mais deu recursos e suporte ao estudo dos cientistas ao longo de seis séculos foi a Igreja Católica.

Outra coisa que é importante ressaltar é que a oposição contra Copérnico não se iniciou com a Igreja Católica, e sim com a Protestante. Essa oposição começa quando Martinho Lutero (bem antes da Igreja Católica) não aceitava o copernicanismo porque a única fonte de conhecimento devia ser a bíblia. Então relacionado as oposições, a Igreja Católica acabava sendo até mais flexível.

Copérnico fazia parte da Igreja, isso já está óbvio, mas por que mesmo assim a Igreja proibiu durante séculos que seus livros sobre o heliocentrismo fossem repassados entre as pessoas? Essa pergunta tem uma resposta muito mais espiritual do que motivos palpáveis. Caso o heliocentrismo estivesse certo, existiriam outros corpos como a Terra, já que ela não era o centro de tudo. E esses outros planetas seriam habitados, assim como a Terra, mas como essas pessoas seriam descendentes de Adão e Eva? Esse era um dos questionamentos acerca do posicionamento da Terra.

Copérnico sempre foi (e até hoje é) visto como desmancha-prazeres por ter realocado a Terra de lugar, colocando o valor cósmico da humanidade em prova. Para pensar que ser removido do centro do universo era ruim, precisa acreditar que o centro é um lugar especial (e não é). Mas então quer dizer que o centro não é um lugar bom para se estar??? A resposta é sim. Vou te dar alguns exemplos de personalidades e suas opiniões sobre o que o centro do universo representava…

Tomás de Aquino disse que a Terra é o “mais material e grosseiro de todos os corpos” por estar no centro; Dante, enquanto escrevia Inferno, colocou o lugar mais baixo do inferno exatamente no centro da Terra, que seria o centro exato do Universo; Michel Montaigne disse que estamos “depositados aqui no pó e na imundície do mundo, pregados e rebitados à parte pior e mais morta do universo”. Percebeu o quanto estar no centro era ruim para alguns? Copérnico então estaria elevando a posição da Terra, não rebaixando-a.

Mas ainda assim, existe um mito sobre a Igreja ter rejeitado o copernicanismo porque ele rebaixava os seres humanos. Você já percebeu que na verdade ele não rebaixou em nada a posição da humanidade, e sim a elevou? Mesmo assim, o mito de que a Igreja foi uma forte opositora do heliocentrismo porque esse sistema feria o orgulho humano ainda é repassado. Então NÃO, a Igreja Católica não proibiu os livros de Copérnico porque sua teoria rebaixava os humanos, até porque essa teoria só surgiu depois de muito tempo do heliocentrismo ser aceito.

Agora pensando em Galileu… Sempre ouvimos falar no quanto a Igreja Católica foi ruim com Galileu, que torturou e prendeu ele simplesmente por ele não falar o que eles queriam. Não foi bem assim que aconteceu… Você pode entender mais sobre o processo inquisitório de Galileu no texto “Galileu e a Inquisição”. Seu caso foi bem mais de ciência contra ciência do que da igreja contra ele.

Antes de falarmos sobre qualquer tipo de impedimento da Igreja Católica para com os cientistas da Idade Média temos que pensar que: se a igreja pretendia proibir a investigação sobre a natureza, ela foi bem ruim nesse trabalho e falhou completamente ao realizá-lo. Também deve ser levado em consideração o fato de que de todas as instituições, a Igreja Católica foi a que mais financiou os projetos de diversos cientistas ao longo da história. Se a Igreja tivesse tentado impedir a ciência, diversas universidades não teriam sido fundadas durante a Idade Média.

Existem diversos argumentos que sustentam a afirmação de que a Igreja Católica contribuiu (não que ela proibiu) a ciência de avançar. Mesmo assim, não devemos nos tornar fanáticos religiosos e defender tudo que ela já fez. Atrocidades foram cometidas durante o período mais sombrio de se viver sendo mulher ou pensando diferente, e elas devem ser lembradas. Lembrar de coisas ruins não anula as boas, mas quando falamos de conflitos ciência versus religião, o contexto deve ser bem analisado.

Chegando até aqui, conseguiu perceber o quanto as visões estereotipadas fortalecem visões intolerantes? O suporte financeiro da igreja ajudou diversos cientistas a avançar. O fato de muitos cientistas serem padres também mata o mito da ciência ter sido barrada pela igreja. Saber o que realmente aconteceu é muito importante para não reforçar visões errôneas, e isso é essencial quando falamos sobre a história da ciência.

Fontes: SINGHAN, Mano. The Copernican Myths, 2007. Disponível em: https://physicstoday.scitation.org/doi/10.1063/1.2825071

NUMBERS, Ronald L. Terra Plana, Galileu na Prisão e outros mitos sobre Ciência e Religião. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020.

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